São Paulo: cidade que amamos e que, infelizmente, a desigualdade social e de gênero imperam – assim como no resto do país. O que muitos não sabem, é que a maior cidade da América Latina teve sua história construída também por muitas mulheres fortes e à frente de seu tempo. A curadora cultural Alana Carvalho, de 31 anos, criadora do canal Viva Cultura, reuniu a história de diversas mulheres que contribuíram de forma profunda em diversos aspectos da cidade de São Paulo em um livro, publicado neste ano (2020), chamado #MulheresdeSP.
O livro é ilustrado, bem colorido e reúne histórias de 18 mulheres das mais diversas áreas – arquitetura, ativismo social, educação, saúde – que ajudaram a construir São Paulo. Algumas das mulheres do livro são desconhecidas entre a população, outras, por sua vez, já podemos ter ouvido falar em seus nomes, como Anália Franco e Carolina Maria de Jesus. A ideia inicial, pesquisa e edição é de Alana, as ilustrações são de três artistas: Bianca Nazari, Débora Islas e Lorena de Paula e o prefácio é da jornalista Gaía Passareli.
— “ Um dos grandes fortes do Viva Cultura sempre foi a parte de criação de conteúdo leve e informativo sobre São Paulo e, em 2018, durante uma pesquisa sobre os nomes de ruas da cidade, acabei caindo num dado que me chamou muito a atenção. O dado de 2015 dizia que 75% das ruas e avenidas de São Paulo levavam nomes masculinos ou se referiam a personagens masculinos. E mais: que haviam mais vias com nomes que faziam menção a datas comemorativas do que ruas com nomes de mulheres. Fiquei muito encucada com isso e comecei a ir atrás de ruas e bairros que tivessem nomes femininos, a fim de descobrir quem eram essas mulheres. Como o buraco infelizmente é bem mais fundo, acabei descobrindo muitas mulheres que deixaram algum legado para a cidade e que foram figuras de destaque em suas épocas, mas que acabaram apagadas da história. A vontade de contar e compartilhar essas histórias foi o que deu início à série no próprio Instagram #MulheresDeSP. Assim, durante o 2º semestre de 2018, semanalmente a história de uma dessas mulheres de destaque era compartilhada e a recepção e interesse foram tão grandes, que veio a ideia de reunir tudo em um livro.” — afirma Alana. Ela é a criadora do Viva Cultura SP, que desde 2014 dá dicas culturais paulistanas.
Sobre o processo da produção e da busca por informações sobre essas mulheres, Alana diz as dificuldades:
— ”Foi um tanto quanto desafiador. A pesquisa sobre algumas mulheres mais conhecidas como Lina Bo Bardi, Ema Klabin ou Yolanda Penteado foi mais tranquila, porque por serem conhecidas é mais fácil encontrar informações sobre elas. Mas ao buscar informações sobre outras mulheres não tão conhecidas, como Dona Veridiana ou mesmo Dona Yayá, aí a coisa começou a pegar, pois algumas informações não dava para distinguir se eram reais ou inventadas. Então foram necessárias muitas, muitas fontes mesmo para validar os fatos. E casos de mulheres pouquíssimo conhecidas como Micaela Vieira, aí o desafio foi triplicado!!! Uma mulher negra, da época do Brasil império… para você ter ideia, a ilustração do livro da Micaela é a única que está de costas, porque foi impossível localizar qualquer registro que desse alguma pista sobre como eram as feições dela… e aí fica a pergunta: quantas outras mulheres incríveis não deixaram a sua marca nos bairros ou na cidade e foram completamente apagadas da história e não temos nem ideia?”.
Reprodução via Twitter de Bianca Nazari: @biancanazari
Sobre as ilustrações da obra, Alana diz ter se inspirado em “Histórias de Ninar para Garotas Rebeldes”:
— ”Desde o início a ideia era uma obra ilustrada, pois a referência foi o livro “Histórias de Ninar para Garotas Rebeldes”, que tem a história e ilustração de cada personagem. Tentei optar por ilustradoras que tivessem alguma relação com a cidade de São Paulo, seja por serem paulistanas de nascença ou já terem morado aqui, além de ter aquela veia feminista e de girl power tão necessária num projeto desse.”.
Ao perguntar sobre qual das mulheres do livro Alana se identifica mais, ela diz:
— ”Eu me conectei muito com a história da Dona Veridiana Prado e acho que foi justamente por me identificar com ela. Apesar de só ter se divorciado quando tinha um pouco mais de idade, especialmente para a época, ela deu um reboot completo na própria vida e passou a viver a partir das próprias regras. Eu tive três grandes mudanças de vida e carreira até os 30 anos e acho que me conectei com a Dona Veridiana nesse sentido. Sem contar que ela era muito persistente, tanto que foi a 1ª mulher a fazer compras sozinha em SP e a 1ª mulher a dirigir um jornal em São Paulo. Depois de 6 anos de Viva Cultura SP e a decisão de publicar de forma completamente independente um livro, acho que me encaixo na caixinha da persistência também.”.
Dona Veridiana (1825-1910) [Bianca Nazari/Divulgação]
A repercussão do livro desde seu lançamento tem sido muito boa. “ Os depoimentos que tem chegado no Viva Cultura SP são bem emocionantes, de pessoas que ressignificaram o olhar para a cidade a partir da perspectiva feminina e que já fizeram a listinha de lugares mencionados no livro para visitar depois que a pandemia passar. Muita gente já está pedindo um livro 2, então quem sabe em 2021 não venham mais novidades por aí…” – Diz a curadora.
Além disso, Alana diz sobre a novidade da literatura no Viva Cultura e ainda informa sobre seus projetos futuros:
— ”Apesar de ser muito da área da escrita (o Viva Cultura SP sempre foi conhecido pelos textões) nunca tinha parado para pensar em publicar um livro pelo Viva, mas quando a série foi tomando forma pareceu demais o caminho certo! E essa sensação permanece, tanto que estamos finalizando um novo material escrito para publicar em breve! Por enquanto só posso dizer que será um zine cheinho de referências nostálgicas de SP, como o piso caquinhos, cartazes e placas que são muito São Paulo, os pisos antigos que nos encantam, o copo americano do cafezinho ou da cerveja e até os postes cheios de fios! Resolvemos investigar como tudo começou em alguns cantinhos da cidade, de forma a mostrar para as pessoas que nossa cidade tem muito mais história do que a gente imagina! A previsão de lançamento é janeiro, para o aniversário de SP!”.
Alana finaliza seu depoimento dado ao Mundo Zac falando sobre como a história dessas 18 mulheres pode ser inspiradora: ”Acho que só acrescentar que todas as histórias foram escritas com o objetivo de serem informativas, mas com um tom mais leve, divertido e inspirador! Acredito (e espero) que as histórias das #MulheresDeSP são um sopro de esperança nestes tempos atuais tão complicados.”.
Viva Cultura SP/Divulgação
Vale lembrar que você pode comprar o livro clicando aqui e parte da renda do livro será revertida para ONGs que atendem mulheres vítimas de violência doméstica.